domingo, 29 de agosto de 2010

gramaticalmente pornográficos

Oh! Sejamos pornográficos 
(docemente pornográficos).
[Carlos Drummond de Andrade]

            Dessa vez, o desafio veio de longe, no tempo e no espaço. Relendo os versos do mestre Drummond [engraçado - e feliz! - como Minas, no que diz respeito à produção artística, raramente decepciona! http://traficoilegaldemusica.blogspot.com/2010/07/19756-minas-e-geraes-milton-nascimento.html], senti que podia escrever algo que respondesse a esta aclamação. Ser docemente pornográfico, o que seria? No último post, lembrei Caetano na sua eterna ‘Tigresa’ [como é bom pode tocar um ‘instrumentu’ - http://www.youtube.com/watch?v=5tQ0dbP1DI4], e exemplos desta doce modalidade não faltam na nossa música [Chico Buarque que o diga! – ‘meu corpo é testemunha do bem que ele me faz’ http://www.youtube.com/watch?v=txLPlvkGiP4]. A pornografia e o erotismo, bem como o amor e o sexo, por serem demasiadamente humanos, são por si só contraditórios. E me foi inevitável adicionar um elemento que contrastasse ao máximo com essa humanidade toda: a língua - a portuguesa!, que embora tão humana, sabe bem negar suas vísceras no momento de puxar os pés alheios com seus gramaticismos e pasqualecismos. De qualquer maneira, espero que gozem gostem.

lamber-te a língua
tocar-te as vogais, doces ferozes
acariciar-te os sujeitos e os objetos
arranhar com minhas unhas tuas vírgulas e
num átimo de metaforismo
lenta e inevitavelmente
arrancar-te um pleonasmo.

beijar-te os apostos ansiosos
e corrigir-te os erros pornográficos
doce e drummondmente
escrever no teu corpo com o Aurélio em riste
os versos que sexonhei pra nós.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

louvação

‘de todos peço atenção
que me escutem com cuidado
louvando o que bem merece
deixo o que é ruim de lado’.

[Gilberto Gil]

                Ontem de madrugada, perguntando-me dos estilicismos poéticos, me vieram as rimas à mente. Muitas vezes, nós as tomamos como um recurso que soa ingênuo, se não for de fato bem pensado. Afinal, ‘pra que rimar amor e dor?’ [Monsueto]. Não sei se tenho moral capacidade pra rimar “futebol” e “rock’n’roll”, como fez Chico Buarque [http://www.youtube.com/watch?v=EbVm1EXbAuA], ou se tenho sensibilidade pra rimar “azul” e “instrumento”, como fez Caetano [http://www.youtube.com/watch?v=5tQ0dbP1DI4]. Ou seria “instrumentu”? Bom, essa discussão fica pra mais tarde. Mas algo que de fato me fascina é a chamada ‘rima interna’. Não por sua natureza sutil, discretíssima, mas pela terminologia. E me desafiei a rimar não sons – sons são externos! – mas idéias e olhares. Quero um feedback em forma de comentário [menarca], okay?

faço rimas bonitinhas
que agradem minhas vizinhas
canto sonhos de esperança
que acalantem a criança
poesia é quase isso
um querer de compromisso
entre o sim e o não, talvez
fazer verso em português
português, oh, sim, senhora!
(que agradem a professora)
e também já era hora
de versar o meu país
que só vive por um triz.
só que, nessa brincadeira
de poemas com porteira
me esqueci de me lembrar
que o poeta é pra chorar
sua dor com devoção
o seu ardor com paixão
seu viver de alegria
seu amor na luz do dia
obrigado!, pois lembraste
d’eu falar deste contraste:
teu olhar, tão camaleão
rima com o meu, que é só verde.

(vou me jogar passarin
no teu abraço sem fim.)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

monochrome lifes


‘Eduquem as crianças e não será preciso castigar os homens’
[Pitágoras]

            A realidade tem gosto de concreto pra boa parte da população de João Pessoa. Da Paraíba. Do Nordeste, do Brasil, das Américas e dos outros lugarejos que nos vizinham. E pensar nos últimos dez anos neste país é pensar numa caminhada iniciada, uma construção de perspectiva, embora ainda haja muito pra se fazer. E é interessante de se perguntar quem constrói isso tudo. Nossa realidade política, a que modifica nossa vida em todos os níveis, quem constrói? E quem vai construí-la quando já não estivermos mais aqui? Correndo o risco de já ter ultrapassado a fronteira de discurso brega do clichê da chatice da mesmice, eu faço coro a uma idéia que nos é colocada desde Pitágoras. As crianças vão dar continuidade a tudo isso aqui –porra! – e nós, enquanto seres humanos, que fazemos? Vou poetando, por ora.

Momento créditos: A foto que nos ilustra é do mineiro Sebastião Salgado, de fama internacional. O título ‘monochrome lifes’, fui buscar de uma composição de Yann Tiersen. Chequem-na aqui – [http://www.youtube.com/watch?v=U42F1Oo30KA]


I
sinto
falta do tempo em que as fotos eram em
preto-e-branco
falta do tempo em que as lembranças eram em
preto-e-branco
e que o futuro tinha cor de
arco-íris.

II
Estava morrendo de frio pedindo esmola na esquina.

Estava morrendo de esquina pedindo frio na esmola.
Estava morrendo de esmola pedindo esquina no frio.
Estava esquina de esmola morrendo pedindo no frio.
Estava esmola no frio pedindo morrendo de esquina.
Estava pedindo esquina morrendo de frio na esmola.
Morrendo de esquina pedindo frio na esmola, estava.
Pedindo frio na esmola estava morrendo de esquina.
Sinal verde.

sábado, 21 de agosto de 2010

são sons de sim

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde. 
Saberei porque a teia do Destino 
não houve quem cortasse ou desatasse.
[A. Suassuna]
Farei que amor a todos avivente, 
pintando mil segredos delicados, 
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente
[L. de Camões]
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
[M. de Assis]
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
[V. de Moraes]

Estes dois novinhos são frutos de um sonho antigo!, o de escrever sonetos. Esta forma fixa carregada de história sempre me fascinou, com sua métrica e esquemazinho de riminhas, tudo bem assim, bonitinho. E, honestamente, nunca achei que conseguiria! Parece que, quando você realmente quer escrever algo de certa maneira, o poema simplesmente não vem. Tem que deixar vir naturalmente, o sangue seguir seu curso natural, e quando menos se espera... sai! [os poemas são pássaros que chegam/não se sabe de onde e pousam/no livro que lês – M. Quintana] Coagulei-os entre uma aula de química e uma de literatura, mas estou com um pé atrás quanto ao conteúdo... Dos possíveis leitores, peço um possível feedback em formato de possíveis menarcas [comentários], agradecido ;)

O Andarilho

Por mares e por terras que passei
Não vim a encontrar o que queria
Países e paragens que andei
Cidades, vilarejos, nada havia

A solidão, sem alma, me sorria
A mim votava seu olhar mais torto
No agouro destes dias, não cabia
Em mim nem alegria – nem conforto!

A sombra que me assombra me condena
A este caminhar triste, vazio
A companhia horrenda de mim mesmo

E eis que o tempo corre em mim, sem pena
E andando, escrevo os versos como um rio
Chorando a correnteza, só, a esmo.

~//~

uTUpia

Uma beleza bruta como a aurora
Que vem, invade, sem pedir licença
Não diz ou cala, nem ao menos pensa
Apenas de existir, sorri e chora

Mas de que chão teria ela brotado?
Oh, de que terra teria nascido?
Caiu do céu, pluma, sem alarido
Ou veio deste solo vil, rachado?

Não sei, não ligo – não me move a mente
Contento-me de ver seu rosto puro
Que enfeita e ilumina meu cenário

Assim, posso gozar ser solitário:
Em lhe beijando as pétalas, lhe juro
Sorrir pra sempre ao ver o sol nascente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ando sol

‘ando só, mas não só de solidão
ando só da premissa solistência
ando só exercitando paciência
amansando potro xucro que dentro de mim mora’
Milton Dornellas

Diante de alguns desafios estilísticos propostos a mim pelo meu maior inimigo - eu - e inspirando-me na aura dos últimos dias, veio-me este 'Ando Sol'. O título, fui me inspirar no poema de Milton Dornellas, 'Solistência', recitado por ele no CD 'O Gargalhar da Invernada' [como introdução à canção homônima], que é inspirado no romance 'Grande Sertão: Veredas' de Guimarães Rosa. E, a título de registro, queria agradecer a Arthur Firmino [raulzito!] por me jogar umas idéias pra primeira parte. Inspiração em cima de inspiração, vamos a ele.

I
Adornar
A dor na dor
Ler os versos nos olhos alheios
E cantar uma canção só sua.
Em mimbriaga um gostar em gotas
Gosta gusta muita culpa
Caindo suaves em meu couro impuro.

II
a carícia do frio é muito própria
chega sem pedir
acontece sem prever
leva o pranto aos olhos
abre em mim as torneiras da saudade
num sangrar vermelho de desejo
travando-me os gostos
os gestos, as culpas.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

das miudezas

'Me disse que as coisas que não existem são mais bonitas'.
Manoel de Barros


Mergulhado nessa atmosfera pântano-barroca, e inspirado nas vistas dos últimos dias, saiu-me este 'das miudezas'. Um pouco de tudo que senti nas últimas empreitadas nas obras completas deste Manuel, incentivado por minha madre, Nara. Outro bom exemplo do sangue agindo em mim e escorrendo nestes dizeres.

onde eu nasci jamais passou um rio.
mas o rio que em imaginei era tão mais bonito
rebolava tão serpente por entre as pedras roucas
que eu nem sentia falta.


ócios do ofício
dormitar o sol sonhando
e as nuvens brincando em seus azuis.


porque a não existência das coisas
denuncia uma beleza que transcende o tudo.

sábado, 14 de agosto de 2010

Eis-me cá

‘Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas’.
Chico Buarque
                Ando meio metido a poeta, que seja. Escrevi este último, ‘Eis-me cá’, de um só fôlego, escrever-falar-cantar-pensar em Candy não dá muito trabalho, não, e de bônus ainda faz um bem danado. Esta Maria Cecília é e tem sido uma das melhores boas-surpresas que tive neste ano de doismiledez. Nunca para qualquer paladar mas, trocadilhos a parte, é mui doce quando doce. 


Eis-me cá.
I
Sou Candy
De doces na cor do ser
De dores na cor do ser
O mel da tez me abençoa as manhãs
E se eu chorar, não repare
A mim confiou-se a missão de amar como quem respira.
II
Sou Maria, sou
Maria no olhar e na história
No meu Rio seco, sangro o sol dos Brejos
Valho-me da dose mais forte, lenta
Brutalmente delicada do mar em meu nome
E se eu cantar, não repare
A mim confiou-se a missão de ser pássara em todas as luas.
III
Sou Cecília, sim
Soletro meu nome no escuro
Como se louca, como se musa
Na esperança do prazer de se permitir roubar o olhar
Acarinhando palavras, banhando idéias
Algo de céu, algo de ilha.
E se eu me for, não repare
Condenada fui a me entregar a cada suspiro.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

o que trago nas veias

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
Preciso porque estou tonto.

(Leminski)

E foi na tentativa de estancar alguns quereres que insistem em sangrar de mim que criei este espacinho, pra depositar estes coágulos de idéias. Escrevo sem pretensão de agradar, é bom frisar. Pois a maioria destes meus versos que cá residirão nem a mim agradam. São as veias abertas da minha América do Sul [south america is my name/Caetano Veloso]. Sangro porque o instante existe. E minha vida, ah...

Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta.
(Cecília Meirelles)

                Este turbilhão, esta necessidade de dar vida a um dizer que é tão meu quanto do papel em que escrevo, é algo que vem do sangue. Não da família. E sim, da família. Mas desta língua [última flor do Lácio, inculta e bela/Olavo Bilac], felina e lânguida e qualquer coisa de Limeira. De Dôra Limeira [http://doralimeira.blogspot.com/]. E, se nada tenho desta língua-luso-américa-latim-em-pó, este Limeirismo teremos sempre em comum. Amém.

cheirar lírio
beber lírio
sugar lírio
morrer lírio
e nunca me fartar
de lirismo

(Dôra Limeira)

                Caí nesta, então, meio que acidentalmente, meio que propositalmente, meio predestinadamente [meio lua, meio pandeiro, meio trovão/Milton Dornellas]. Cumprindo os fados, num mundo de maldades e pecados [http://www.ithasnotitle.blogspot.com/], sangrando os fatos num poço de saudades e recatos.
                Abraço os meus há-braços de cada dia como quem bebe a água doce de sua própria terra, num suspiro profundo de satisfação. E assim sangro, e assim lírio. Assim delírio.

Caminhando a esmo
Como quem procura a si mesmo
Assim mesmo.

A solidão que me invade o quarto
O choro que me invade os olhos
O bolero que me invade os ouvidos

A rebelião que me transborda os poros.
(Gustavo Limeira)