quinta-feira, 31 de março de 2011

31 de Março

‘memória de um tempo onde lutar por seu direito
é um defeito – que mata!’

[na voz de Gonzaguinha e MPB-4]


                Tente ver o mundo do ponto de vista de um desaparecido político. Tente ver o mundo do ponto de vista de um torturado. Tente ver o mundo do ponto de vista de alguém que perdeu um pai, um filho, uma mãe, filha, marido, esposa, noivo, namorada, vizinho, amigo, amiga. Tente ver o mundo do ponto de vista de um exilado. Tente ver o mundo do ponto de vista de um estudante preso. Tente ver o mundo do ponto de vista das minorias. Difícil? Houve um tempo em que não se tinha direito a quase nunca. Não se tinha direito à palavra.

(é importante dizer que falar sobre a ditadura nunca é o suficiente – lembrar para não esquecer, esquecer para não repetir).



não tem ponto final.

era pra ser um dia joão goulart.
quando amanheceu, ainda tinha liberdade ali
misturada no orvalho que a aurora ainda podia trazer.
poesia afora,
eles vieram pra me jogar um país
reticências adentro.
foi um dia curioso, esse.
de uma hora pra outra, como?,
já se nem não respirava do mesmo jeito.
 - eu fico aqui pensando se era proibido ser poeta –

pois, pois, meus caros...
isso aqui não é um poema, devo informar.
é um apelo, é uma canção de protesto,
isso aqui é uma espécie de punho cerrado no ar
se a gente esquecer,
é capaz de não mais lembrar.

(isso não te assusta?)









terça-feira, 29 de março de 2011

a vitória da poesia

Skena em 2009
Este é um post atípico. Apesar das muitas citações e referências, nunca postei aqui textos que não fossem meus. Da mesma maneira, nunca fiz ‘repostagem’ de poemas cá na Versorragia. Vou quebrar a regra HOJE! Por quê? Queria dividir uma vitória! Dois poemas meus foram selecionados para a oitava edição do festival de Poesia Encenada do SESC-PB, e eu não poderia estar mais feliz :) Participei deste festival como co-autor e ator na edição de 2009 com o grupo Skena de Teatro, sob direção de Flávio Ramos [http://tinyurl.com/6y3ow2o]. É uma honra voltar como autor!

Veja a lista de poemas selecionados [http://linaldoguedes.blog.uol.com.br/]:

PRIMEIRA ELIMINATÓRIA - 06 de Abril
1. Fascinado - Fátima Peixoto (Cabedelo)
2. Cantiga de Roda - Niti Merhej (São Paulo)
3. Gêmeos - Linaldo Guedes
4. Nebulosa -Francisca Vânia Rocha
5. Desencantos Pós Modernos - Bruno Gaudêncio (Campina Grande)
6. Percepção - Cleber Lima
7. Deus - Maria Fernanda Tavares
8. A Garrafa e o Corpo - (ou uma poesia Cabraliana) - Raniere Marques
9. A ta-boka fu-a-deu - Kika Peixoto
10. Romance em feitio de oração para a Senhora dos Navegantes - Astier Basílio
11. Bullying - Ângela Mendes
12. Cortejo - Valberto Cardoso
13. Não desmarque - Luana Feitosa
14. Gramaticalmente Pornográfico - Gustavo Limeira
15. Meu porto seguro - Carlos Lucas Gomes (Cabedelo)
16. Inteira - Manassés Diego
17. Carta ao Navegador- Josinalda Lira

SEGUNDA ELIMINATÓRIA - 07 de Abril
1. Suave - Valmir Neves
2. Se Voce fechar os olhos - Maurício Soares (Bayeux)
3. Quimera - Inácia Rita Barros
4. Anjos Caídos - Hannah Medeiros
5. Corpos Líquidos - Nyka Barros
6. Instinto de Espera - Daniel Porpino
7. Borra - Niti Merhej ( São Paulo)
8. Pátria ao Avesso - Valter Oliverio
9. La Negra - Michel Costa
10. Molduras - Leo Barbosa
11. A árvore bicentenária - Gabriela Arruda
12. Tempo - Jerônimo Vieira
13. Formigas de Asas - Hélder Nóbrega
14. Inspiração - Pertnaz
15. Pedaços - Aparecida Melo
16. Bibliófilo - Gustavo Limeira
17. Ao silêncio do meu amor - Petra Ramalho


Eu e Elba Góes em 'Ensaios Fotográficos'
As eliminatórias ocorrerão no dia 6 e 7 de Abril. No dia 8, a grande final. O poema ‘Gramaticalmente Pornográficos’ será encenado no dia 6 pela atriz Ana Valentim e, no dia 7, a mesma Ana se juntará a Matteo Ciacchi para defender ‘Bibliófilo’. Nos dias 6 e 7 a Cia. Do Tijolo, grupo teatral do Estado de SP, apresentará espetáculos sobre Patativa do Assaré e cordel e, no dia 8, o Grupo Teatrália de Performances Poéticas apresentará o espetáculo ‘Ensaios Fotográficos’, sobre a poesia de Manoel de Barros, com direção minha e de Ana Valentim. Espero poder ver umas carinhas conhecidas por lá apreciando a nova literatura e o teatro do nosso estado e aproveito pra parabenizar todos os aprovados.É tanto nome bom que, se fosse pra fazer destaque, eu faria outra postagem. Quem ganha é a poesia!

VII POESIA ENCENADA
Quando? 6, 7 e 8 de Abril
Onde? Área de Lazer / SESC, Centro - João Pessoa/PB
Horário? a partir das 18h, com exibição de filmes, exposições e as performances concorrentes
Investimento? Gratuitíssimo, basta chegar e se deleitar



- gramaticalmente pornográficos –

lamber-te a língua
tocar-te as vogais, doces ferozes
acariciar-te os sujeitos e os objetos
arranhar com minhas unhas tuas vírgulas e
num átimo de metaforismo
lenta e inevitavelmente
arrancar-te um pleonasmo.

beijar-te os apostos ansiosos
e corrigir-te os erros pornográficos
doce e drummondmente
escrever no teu corpo com o Aurélio em riste
os versos que sexonhei pra nós.





- bibliófilo –

li-o
meus dedos em suas páginas o faziam gemer alto
era como se acariciassem sua alma de um jeito vulgar e belo
o cheiro de livro que dele exalava
era como um milagre obsceno
daqueles milagres urgentes que os anjos performam todo verão
transformando os amantes em personagens shakespearianos.
eu o lia, e era como se ele gritasse alegria em meus ouvidos
e o seu grito era tão suave, tão música, tão lindo
que só a nós fazia sentido – e a ninguém outro importava.
meus olhos passeando por cada letra, desvendando cada verso que nele continha
fazia cócegas no seu ser
e ele riu, e riu, e rio, e ria
a gente se afogando em filosofia, em sol, em poesia.
lia-o, e era como se nunca fosse acabar
vou reler, vou relendo, vou lembrando
deslembrando, construindo, sangrando
entendendo, te chamando, me arvorando.


fantasiei-o de livro porque é o único jeito que aprendi
de carregá-lo dentro de mim.



segunda-feira, 21 de março de 2011

domingo.

‘andar à toa é coisa de ave.
meu avô andava à toa.
não prestava pra quase nunca
mas sabia o nome dos ventos
e de todos os assobios para chamar passarinho.
[...]
penso que meu avô era provedor de poesia
assim como as aves e os lírios do campo’
[Manoel de Barros]



                Hoje também é dia especial. É dia Internacional da Poesia!, bem o tipo de data de nascer gente importante feito Lau Siqueira e de anteceder aniversário de outras gentes importantes feito Matteo Ciacchi e Mariana Oriá. Falha minha, no entanto, é postar um poema que não fale destas pessoas – perdão por isso. Não, não. Hoje é dia do meu avô.

                Paulo Leminski disse uma vez que existem dois tipos de poeta: aqueles que escrevem e aqueles que lêem. Nada mais acertado! Alguém que leu e apreciou poesia a vida toda é menos poeta que contadores de sílabas? Eu vou um pouco além de Leminski, pois conheço três tipos de poeta: aqueles que escrevem, aqueles que lêem e aqueles que são avôs.

                Passei o carnaval em sua companhia. Vi seus olhinhos apertados brilhando quando o falei do meu segundo livro. Vi também surpresas nos mesmos olhos diante do que já se estava escrito. Esse poema é para o meu avô, Sálvio, que diz não entender nada de poesia, mesmo achando bonito, e que cria passarinhos soltos no seu apartamento e na sua mente – ele voa fora da asa e é poeta também.





um dia,
um passarinho fez um ninho sobre meu caderno.
pouts, justo nesse caderno onde deito versos!
tranqüilo,
o passarinho aconchegou seu vôo entre
as páginas virgens em branco das minhas palavras.
arrastou sobre as pautas suas asas – literatura potencial -
e preencheu-as, urgente e inevitável, de poesia – finalmente!
causou ciúmes no meu lápis.
foi nesse dia que meus poemas voaram tardes
e cantaram céus azuis.


segunda-feira, 14 de março de 2011

[insira seu verso aqui]

‘poesia é voar fora da asa’
[Manoel de Barros]



                Não podia haver dia melhor pra trazer à versorragia este poema que me é motivo de tanto orgulho. É, é orgulho a palavra. Porque consegui enfim colocar em palavras uma idéia que há muito eu carregava dentro de mim... e só quem se sabe povoado de idéias entende o prazer de alcançar um poema assim. Hoje é dia da poesia! Celebro assim, então, este feliz dia. Aproveito pra anunciar que, por ora, desisto da idéia de abandonar este sítio – acho que definharia de saudades. E as saudades, como eu disse na carta abaixo, calam as palavras. E isso eu não quero nem pra mim nem pra ninguém. Enfim, espero que gostem J

 - este poema está publicado no blog ‘escritos no ônibus’ [http://tinyurl.com/6ezutlu], do caríssimo Jairo Cézar, um colega de CAIXA BAIXA [http://caixabaixa.org/]





sou da tese
que a poesia
é feita dos
espaços que sobram
ao lado dos
versos que o
poeta teimou em
escrever.
por isso vou
fazendo cá neste
papel em branco
versinhos bem curtinhos
- versos morenos belos -
 três palavras, só
pra que cada
leitor possa fazer
da sua poesia
o que bem
entender.
- vá com calma,
leitor, você vai
ter que aprender
 a ler o
vazio. -






segunda-feira, 7 de março de 2011

la vérité, tu la sais

—A mí me basta ser el que soy —dijo Rosas— y no quiero ser otro.
 —También las piedras quieren ser piedras para siempre —dijo Quiroga— y durante siglos lo son, hasta que se deshacen en polvo. Yo pensaba como usted cuando entré a la muerte, pero aquí aprendí muchas cosas.
Fíjese bien, ya estamos cambiando los dos.

[Jorge Luis Borges, em ‘Diálogo de Muertos’, do livro ‘El Hacedor’]

                Eu tenho um livrinho que veio de Buenos Aires pra mim, Matteo quem trouxe. Se chama ‘El Hacedor’, do argentino Jorge Luis Borges. Matteo me superestima, eu creio, me trouxe Borges no idioma original. Não que eu não esteja me divertindo com todos aqueles ys soltos em meio às frases, mas há coisas deste portenho que eu não consigo ler nem em português, tamanha a complexidade dos enredos pra tão pouco juízo que tenho!
                Abaixo, vocês lerão uma carta. Pelo menos eu acho que é uma carta. Escrevi-a porque precisava, sem pretensão de postá-la cá, mas acabei por me agradar dela... Espero que gostem também!

  - Prometi notícias do meu livro e do futuro deste blog... lá vai: o livro de poemas ‘Versorragia, no início era o verso e do verso fez-se sangue’ está em processo de revisão, e o seu humilde autor em processo de achar uma maneira de publicá-lo (aceitando sugestões). Do blog, devo dizer que terei que me despedir deste endereço. Explico: o livro que publicarei é um registro impresso dos poemas que cá postei com a adição de alguns inéditos. Por que quero manter estes inéditos escondidos – me chamem de orgulhoso – e tenho pouco juízo pra resistir à tentação de postá-los, terei de me despedir. Mas calma!, ainda temos tempo. Juro que não vou deixar de postar assim, de repente... Uma outra novidade boa é que já tenho o projeto para o próximo livro, e isso significa a abertura d’um novo blog J Notícias mais concretas em breve.



Acredito que você já passou por isso, todo mundo passa. Todo mundo tem que passar. É uma merda, mas é verdade. Já nos dizia Bob Dylan, ‘life is hard’. Eu sei, você vai negar, você vai tentar continuar indo em frente como se nada não se passasse dentro de você. Isso também é uma merda, e também é uma verdade. Teve um francês que disse que quanto mais conhecia os humanos, mais amava os cães. Em francês, essa frase fica de uma elegância que você não calcula, mas a questão não é essa. Quanto mais humano eu sou, mais cão eu sou. Complicado, né? Uma merda. Uma verdade. Você vai tentar dormir, você vai tentar dormir e não sonhar, você vai tentar dormir e não sonhar e acordar, você vai tentar dormir e não sonhar e acordar e não chorar. Você vai tentar fazer com que seu travesseiro esconda as lágrimas. Você vai fingir que ele nunca existiu. Você vai fingir que nunca existiu. Tudo isso só pra que você ainda consiga escrever como antes, quando você fazia dele sua musa, sua fonte inesgotável de inspiração e transpiração. Quanto mais você tenta fazê-lo menos inspiração e mais esquecimento, mais profundamente ele lhe penetra a mente, a alma, as palavras. Ele faz isso de uma maneira tão calma e natural que você quase acredita que nunca vai ter fim, quase acredita que vai se acostumar com a dor. Logo você, que sempre falou que só se acostumam com a dor os mortos, vivos são outras palavras. Você, não. Você não sentia dor. Você inventava a dor, você lambia a dor, você ria da dor, senti-la jamais. Você vai tentar conhecer outros eles, você vai tentar se apaixonar novamente. Você vai quebrar a cara. Você vai se decepcionar consigo mesmo. Você vai escrever 1 romance e vai rasgá-lo. Você vai escrever 5 ensaios acadêmicos e vai queimá-los. Você vai escrever 2 raicais e vai guardá-los na carteira. Você vai tomar todas numa festa qualquer e vomitar na frente da sua mãe. Você vai esquecer tudo que ainda não viveu e escrever outro livro para queimar. Você nunca mais será o mesmo. Você vai se martirizar todas as noites porque não consegue mais escrever como antes. Você vai querer o antes. Você vai louvar o antes. Você vai sofrer ao ponto de esquecer como chegou naquele ponto. Você vai cometer erros de concordância e de regência verbal e vai xingar Deus por isso. Sua avó vai fazer você pedir desculpas a Deus e você vai pedir. Você vai pensar consigo mesmo se Deus mora longe o suficiente de você pra que você não o vá visitar e dar-lhe as boas porradas que ele merece, e vai chegar a conclusão de que sim. Você vai fumar Carlton com um amigo na esquina. Você vai sentir o gosto dele no cigarro, nos livros, em Deus, na pornografia que você insiste em assistir, nos poemas que você queimou e nos poemas que você guardou. Você vai querer escrever uma carta pra ele. Você vai resolver que vai escrever a carta, abrir a caneta, encarar o papel com o lápis e os olhos e fazer seqüências de disputas de jogo-da-velha consigo mesmo. Você vai ficar competitivo consigo mesmo. Você vai vê-lo nos papéis em branco. Você vai ouvir o sotaque dele quando alguém falar inglês perto de você, e você também vai chorar muito quando ouvir ‘aquela canção’ do Roberto, não adianta fugir. Você vai comprar um chicote para se punir por cada poema não escrito, por cada palavra não dita, por cada beijo não dado, por caba beijo desdado, por cada saudade. É a verdade, meu caro, você sente saudades dele. E a saudade deixa nossas palavras bem caladinhas. Eu sei, eu sei. Como? Eu sei. Eu sou você.





quarta-feira, 2 de março de 2011

dois recados ou prosaico #1

‘quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma’
[Fernando Pessoa]


                Horas, dias, semanas, meses, anos, pelo menos uma década que eu tento me aventurar no universo da prosa de maneira que me satisfaça. Já tentei contos e até um romance que não tinha fim e me tirava o sono – acabei deixando pra trás. Muita insistência das musas e recentes leituras  - e um caderninho vindo de Lisboa pra mim - me inspiraram em algumas incursões nesta área literária que me ainda é uma completa estranha. Espero que gostem! J

 - De antemão, quero anunciar que as postagens nesse sítio já estão de dias contados... em breve, mais informações.



I
poucas coisas me preenchem mais do que manusear livros. acarinhá-los a capa, a folha de rosto... quando se trata d’um livro de poesia, ir pelas páginas como que perdido, esperando que um verso me chame. quando se trata d’um romance, ir brincando de pescar os nomes das personagens e de imaginar o fim e o começo das estórias, sem que me seja necessário lê-las. para se aproveitar de maneira satisfatória dos livros, não se faz necessário lê-los, não. basta acarinhá-los; eles retribuirão, satisfeitos.

II
palavras me ardem. veio perguntar-me se palavra tal existia. respondi-lhe: ‘ora, mas se a podes falar, bem provável que exista, não? as palavras existem porque a falamos, tal como as idéias existem porque as pensamos, os sonhos existem como sonhamos... a matéria prima da palavra é a fala’. a cara feia mostrava um não-convencimento. disse: ‘me referia ao sentido formal, se consta esta determinada nos dicionários’. condenei ao fim o infrutífero diálogo com o argumento de que ‘palavras dicionarizadas tendem a não existir’.