segunda-feira, 20 de setembro de 2010

três high-cais

‘Para quem quer se soltar
Invento o cais

Invento mais que a solidão me dá
[...]
Invento o cais

E sei a vez de me lançar

[Milton Nascimento/Ronaldo Bastos]

                Saudades de sangrar por aqui. Os últimos dias tem sido de intensa hemorragia interna, e isso tem me mantido longe da caneta e do papel – da poesia, nunca. Devidamente mergulhado no mar de sensações que me invadiram nos tempos recentes e lembrando os hai-kais deliciosos que Leminski nos presenteou quando vivo, escrevi estas três besteirinhas. Porque não tenho qualquer experiência com este gênero poético japonês, tenho até medo de dizê-los hai-kais. Não são mais que simples high-cais. Sei a vez de me lançar.

confira
tudo que respira
conspira

[P. Leminski]

                No mais, desculpo-me pelo silêncio. Pretendo calá-lo. E espero que gostem.

I
deito a cabeça no teu colo
e quero que o tempo
não passe tão logo


II
teus dedos em meus cachos
me assanham
melhor que o vento


III
cidadão descompassado
coração descompresente
amor fruturo



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

diz, perdida

‘a partida é deixar para trás
a volta que a gente esqueceu’

[Rudá Barreto]







                Lembro-me de ter lido, anos atrás, um conto policial que tinha a estrutura do poema abaixo. O crime era contado do ponto de vista do assassino e, logo em seguida, da vítima – que era, no texto, pega de surpresa. Exaustivamente procurei entre meus livros e não consegui descobrir onde li esse diacho de conto, quem tiver notícias, por favor, deixe os créditos em forma de menarca [comentário]. Lembrando desse conto e inspirado na atmosfera de quatro belas canções – ‘Pra dizer adeus’ e ‘Canto triste’, na voz de Edu Lobo, 'Atrás da Porta', na voz de Eliz Regina, e ‘Tristesse’, nas vozes de Maria Rita e Milton Nascimento – escrevi estes cânticos de partida, 'diz, perdida'. Vale dizer que partidas são também crimes... e que sempre nos surpreendem, também. E  nos partem. Espero que gostem!







I
eu a disse, eu a expliquei
teria de dizer adeus
porque teria.
era nossa última noite que, megera,
corria corria corria corria
pediu-me que não a acordasse para despedir-se pela última vez.
contentaria-se com meu cheiro nos lençóis.
 - e nem precisava. não a despertaria, nem se me pedisse. -
os cheiros são lembranças de sonhos idos.
(e eu fingi que não existia).

II
ele me disse, ele me explicou
teria de dizer adeus
porque teria.
deitamo-nos, nus e ternos
eternos eternos eternos eternos
pedi-lhe que não me acordasse para despedir-me pela última vez.
abafaria minhas lágrimas e gritos nos lençóis que ele marcara.
 - porém, esperançosa de sua teimosia tão minha, desejei ardentemente que me despertasse, que me levasse com ele. -
minhas lágrimas lavaram as lembranças pra fora da cama.
(e a nossa existência escorreu porta afora).






As músicas cujas atmosferas me inspiraram:



 - Canto Triste, com Edu Lobo e Sérgio Godinho http://www.youtube.com/watch?v=U-EJNRZYfyE
 - Atrás da Porta, com Elis Regina 

 - Tristesse, com Maria Rita http://www.youtube.com/watch?v=OpzFnEnmm2M

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

um lance no relance



Volva, revolva
Corra, recorra
Mate, remate
Morra, renasça’
[Caetano Veloso/Pedro Novis]


Este aqui é novinho em folha, embora seja uma idéia reciclada. Me orgulha muito escrever algo que faça eco a uma música de Caetano Veloso [sim, sou desses fãs bobos]. No caso, tomei emprestada a canção ‘Relance’ [que a Gal fez o favor de nos brindar com uma versão deliciosa http://www.youtube.com/watch?v=v9sSAPUhtt0], que o Caê assina com Pedro Novis. Não tenho idéia de quem fez a letra, mas isso não importa. Em ‘Relance’, os autores brincam com a repetição e a modificação dos significados, sempre num imperativo leve. Quis, neste mais novo, brincar com a idéia de comunhão. Quem sabe não inspiro mais alguém a tentar?

pare
compare
corra
concorra
julgue
conjugue
bata
combata
teste
conteste
fira
confira
prove
comprove
suma
consuma
siga
consiga
trate
contrate
porte
comporte
mova
comova
gele
congele
funda
confunda
meta
cometa
viva
conviva
pense
compense
faça
e desconstrua.