sexta-feira, 8 de outubro de 2010

estancalou.

'visto de costas,
o amor é carne viva
untado de adeus
o amor queima' 
[Ronaldo Monte]

Versei de ritos sanguinolentos o 'spaço desta versorragia. Mas eis que me encontro numa situação de violenta delicadeza e, justo agora!, a poesia resolveu me abraçar tão forte ao ponto de me inutilizar as mãos. Explicação, não há. Sem amor, só a loucura.

precisou doer assim
pra ver que o amor
não cabe em mim.








parto como quem deita sob o sol da manhã de domingo e prende a respiração, na intenção de impregnar aquele cheiro de nada nos pulmões. parto como quem foge de si mesmo dentro do larbirinto. parto como quem nunca chegou.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ensaio sobre teu beijo

Tua boca brilhando, boca de mulher, 
Nem mel, nem mentira, 
O que ela me fez sofrer, o que ela me deu de prazer, 
O que de mim ninguém tira
[Caetano Veloso]

            Ando silencioso, mas a amorragia é tão intensa quanto a versorragia, e cá estou de volta a este receptáculo de coágulos poéticos.  Este ‘ensaio sobre teu beijo’ é o resultado de uma provocação feita por Paty, quando nos preparávamos para ler ‘blindness’, a tradução para a língua inglesa do ‘ensaio sobre a cegueira’, do premiado e querido escritor português José Saramago.

‘The green light came on at last, the cars moved off briskly, but then it became clear that not all of them were equally quick off the mark. The car at the head of the middle lane has stopped, there must be some mechanical fault, a loose accelerator pedal, the gear lever that has stuck, a problem with the suspension, jammed brakes, a breakdown in the electric circuit, unless he has simply run out of petrol, it would not be the first time such a thing has happened. The next group of pedestrians to gather at the crossing see the driver of the stationary car wave his arms behind the windscreen, while the cars behind him frantically sound their horns. Some drivers have already got out of their cars, prepared to push the stranded vehicle to a spot where it will not hold up the traffic, they beat furiously on the closed windows, the man inside turns his head in their direction, first to one side then to the other, he is clearly shouting something, to judge by the movements of his mouth he appears to be repeating some words, not one word but three, as turns out to be the case when someone finally manages to open the door, I am blind’.
[José Saramago]

Paty nos questionou sobre, se fôssemos obrigados a escolher, qual sentido perderíamos. Eu, honestamente, não respondi à pergunta – sou muito apegado a este pouquinho com que a natureza me presenteou. Mas, prestando novamente meus ouvidos ao ‘estrangeiro’ de Caetano Veloso, me deparei com os versos acima citados, retirados da canção ‘este amor’. E me pareceu quase errado não escrever estes versos no momento que os escrevi e entregá-los a quem os entreguei. Espero que gostem.

ficaria cego de bom-grado 
 - somente pra fazer eco a Saramago -  
e até ensurdeceria 
pois que tua música me invade os poros .


mas só quero ficar mudo 
se for tua boca 
a calar a minha. 










[não consegui achar a canção do Caetano no Youtube, mas aqui - http://tinyurl.com/2chcj3x - você pode baixar o ‘estrangeiro’ inteiro e de graça!, vai lá que o CD é tudo de bão]