domingo, 20 de fevereiro de 2011

de conversa em conversa

‘o seu amor
ame-o e deixe-o ser o que ele é’
[Gilberto Gil, nas gargantas dos Doces Bárbaros - http://tinyurl.com/cqcbl7]


                Este poema foi uma das mais fantásticas experiências dos últimos tempos. Foi escrito a quatro mãos com a caríssima Larissa Lopes, uma querida minha que facilmente se encontra na foto que ilustra o último poema que postei, ‘quiosque tropical’. Foi num diálogo comum, desses que todos temos quando online, que sangramos um poema essencialmente orgânico. Foi o último que adicionei ao livro, inclusive (daqui a algumas postagens tenho que falar mais desse danado desse livro, não posso esquecer). No mais, espero que gostem J



I say: poizé, faltam dois poemas pro livro ficar pronto, justamente dois poemas de amor e eu simplesmente não acho minha inspiração em canto NINHUM
she says: é a primeira vez que tu ama alguém? de verdade?
I say: não, não é.
she says: como tu esqueceu o outro? me diz pelo amor L
I say: sou da tese que o amor não tem começo nem fim... 'nada se perde, nada se cria, tudo se transforma', o amor é tátil, pô, não é feito de sonhos, ele existe e toma outras formas ao longo do tempo... toma forma de amizade, de carinho, de raiva... mil formas! mas continua sendo amor
she says: entao, se a gente perde alguem, ou se decepciona... a gente faz o que pra transformar o amor em outra coisa?
I say: a gente? a gente não faz nada. o amor tem pernas, braços, cabeça, tronco, vaidade e vontade próprias, ele muda quando quer. somos agentes passivos nesse jogo.
she says: tou ficando preocupada já
I say: fique não, fique não. o amor, se bem cuidado, fica assim repleto de humanidades. ele vai compreender quando você precisar que ele mude - e vai mudar.
she says: ai... queria nao amar
I say: você não tem essa escolha, ninguém tem. o amor que escolhe a nós. ele é meio sacana, né?
she says: É
I say: mas é um sofrimento que até vale a pena... faz a gente pensar que está vivo. se não amamos, estamos mortos.
she says: pronto, pf
I say: melhor amar e sofrer, não? o maior risco que você corre é de achar a felicidade dobrando a esquina.
she says: e se sua felicidade e sua paz fugir de voce?
I say: não fogem
she says: claro que fogem
I say: elas também tem pernas próprias, mas dependem de nós pra que a gente escreva poemas e elas se sintam vivas - amar está para nós assim como os poemas para a paz e a felicidade -
she says: eu sinto o amor e acabo de perder a minha paz, minha felicidade é masoquista. eu tenho jeito?
I say: sorte nossa que elas também mudam de forma com o tempo
she says: meu tempo ta se passando com lagrimas e vômitos. vai mudar de forma, mesmo e de estado fisico, vai virar pedra
I say: o tempo também muda de forma, a medida que enlarguece... mas sabe que
você tem um papel importante nisso, né? você tem que estar aberta pro mundo pra poder sensibilizar esses agentes todos – paz, felicidade, amor, tempo...
she says: eu nao quero mais me abrir! porra, vou ter que passar mais uns 3 anos pra me acostumar com tudo de novo...
I say: pra quê a pressa? pode se abrir a hora que quiser... mas como diria aquela canção lá
da novela das seis, 'não se iluda, que nada muda se você não mudar'
she says: preciso sair daqui =/ hoje o dia ta foda =[ beijo, gostei dessa conversa, viu? :*
I say: certo, vá lá! :* ah, eu gostei também, acho que vai virar poema! hehe, beijo, beijo


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

quiosque tropical ou my warm gun

'não há outra saída
senão ser feliz’
[Adeildo Vieira]


                Meu segundo livro de poesia – um registro impresso do que cá foi sangrado plus alguns inéditos – está quase saindo do forno, e dediquei uma porção dele a poemas de amor. Senti, pois, uma necessidade de expressar este meu amor pelos irmãos que escolhi ter, uns que, carinhosamente, chamo de meu povo. Daí, escrevi este. Tem gosto de tanta gente (!), e tenho certeza que vou arrancar uns bons sorrisos com estes versinhos moreninhos J Espero que gostem!




 - pro meu povo - 

ir à praia,
achar um bar.
sentar,
pedir uma cerveja,
sorrir pro garçom. beber e
bailar os olhos e
sorrir pra você.
pôr devagar os pés na areia,
achar um motivo pra rir dos pés na areia,
pedir uma outra cerveja e
sorrir pra mim.
cantar Caetano,
cantar um amor Bethânia,
sentir sede de beijos e
mergulhar no horizonte que se esconde atrás do mar.
lentamente esfregar meus dedos nos teus,
pedir mais uma cerveja,
pensar como a noite vai ser boa e
beber,
lembrar dos amigos, dos livros, dos filmes,
da gente.
pensar como o dia de amanhã poderia ser o melhor de todos se hoje jamais tivesse existido,
pedir qualquer coisa pra comer,
comer e
pedir outra cerveja,
rir do teu nariz, do meu nariz
lamber-te a língua.
beber,
cantar aqueles sambas batucando no canto da mesa
te repreender por fumar.
 - te repreender por fumar? -
te chamar pra ir embora,
deixar você pensar que me convenceu a ficar e
pedir só mais uma cerveja,
tomá-la.
te ouvir me chamando pra ir embora,
me rir de você por dentro e
ir pra casa.

tá vendo como é fácil ser feliz?





terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

versorragia

‘primeiro não havia nada
nem gente nem parafuso
o céu era então confuso
e não havia nada – yeah!’

[Caetano Veloso com os Doces Bárbaros - http://tinyurl.com/5sasxan]


Recebi a incumbência o desafio de escrever um poema me valendo do título e subtítulo deste blog. Gostei. E fiquei impressionado de não ter pensado em fazê-lo antes! Acho que ainda vou escrever algo me utilizando destas nomenclaturas, mas é o que tem pra hoje. Espero que gostem! J



no início, era o verso.
rastejava o verso sobre o chão que não se via
 - que, porque não se via, não se existia -
ralando cada palavra nele contida nas impurezas que não se viam
que não existiam
mas que se sentiam.
as palavras, já imundas e cansadas de tanta não existência,
inventaram Deus.
veio Deus e soprou-lhas um chão sobre o qual podiam pisar
um céu no qual podiam voar
e, claro!, árvores cujos frutos não podiam comer
 - pobres palavras...
os sapos, o sol, as águas, estes vieram depois.
as palavras se divertiam por aí, inventando mundo
mas ainda lhes faltava algo:
as palavras amolaram o fio do verso e
cuidadosamente
sangraram de si mesmas as metáforas de que eram feitas.
pulsavam-lhes as rimas escarlates
pulsavam-lhes a métrica azul
e do verso fez-se sangue.
 - às palavras faltava vida!
e Deus, velho, gordo e solitário,
no topo de suas árvores proibidas,
assistia excitado todas aquelas invencionices.
Ele pensou afinal que, por detrás das palavras,
elas realmente poderiam significar alguma coisa.
viu dali as palavras inventarem a metalinguagem
e o pôr-do-sol.




quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

bibliófilo

‘os livros são objetos transcendentes
nós podemos amá-los do amor tátil
que votamos aos maços de cigarro’

[Caetano Veloso]




                Esse poema é de 2010, mas só agora ele me bateu a porta, exigindo ser postado. Tenho por ele um especial carinho – transformar quem se ama em algo que também se ama foi uma grande vitória deste alguémlírico. Os livros aqui em casa podem ser bem humanos, na mesma medida que cada vez mais se encontram romances, versos e receitas culinárias entre as capas das pessoas. Espero que gostem J





li-o
meus dedos em suas páginas o faziam gemer alto
era como se acariciassem sua alma de um jeito vulgar e belo
o cheiro de livro que dele exalava
era como um milagre obsceno
daqueles milagres urgentes que os anjos performam todo verão
transformando os amantes em personagens shakespearianos.
eu o lia, e era como se ele gritasse alegria em meus ouvidos
e o seu grito era tão suave, tão música, tão lindo
que só a nós fazia sentido – e a ninguém outro importava.
meus olhos passeando por cada letra, desvendando cada verso que nele continha
fazia cócegas no seu ser
e ele riu, e riu, e rio, e ria
a gente se afogando em filosofia, em sol, em poesia.
lia-o, e era como se nunca fosse acabar
vou reler, vou relendo, vou lembrando
deslembrando, construindo, sangrando
entendendo, te chamando, me arvorando.

fantasiei-o de livro porque é o único jeito que aprendi
de carregá-lo dentro de mim.