sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ensaio sobre teu beijo

Tua boca brilhando, boca de mulher, 
Nem mel, nem mentira, 
O que ela me fez sofrer, o que ela me deu de prazer, 
O que de mim ninguém tira
[Caetano Veloso]

            Ando silencioso, mas a amorragia é tão intensa quanto a versorragia, e cá estou de volta a este receptáculo de coágulos poéticos.  Este ‘ensaio sobre teu beijo’ é o resultado de uma provocação feita por Paty, quando nos preparávamos para ler ‘blindness’, a tradução para a língua inglesa do ‘ensaio sobre a cegueira’, do premiado e querido escritor português José Saramago.

‘The green light came on at last, the cars moved off briskly, but then it became clear that not all of them were equally quick off the mark. The car at the head of the middle lane has stopped, there must be some mechanical fault, a loose accelerator pedal, the gear lever that has stuck, a problem with the suspension, jammed brakes, a breakdown in the electric circuit, unless he has simply run out of petrol, it would not be the first time such a thing has happened. The next group of pedestrians to gather at the crossing see the driver of the stationary car wave his arms behind the windscreen, while the cars behind him frantically sound their horns. Some drivers have already got out of their cars, prepared to push the stranded vehicle to a spot where it will not hold up the traffic, they beat furiously on the closed windows, the man inside turns his head in their direction, first to one side then to the other, he is clearly shouting something, to judge by the movements of his mouth he appears to be repeating some words, not one word but three, as turns out to be the case when someone finally manages to open the door, I am blind’.
[José Saramago]

Paty nos questionou sobre, se fôssemos obrigados a escolher, qual sentido perderíamos. Eu, honestamente, não respondi à pergunta – sou muito apegado a este pouquinho com que a natureza me presenteou. Mas, prestando novamente meus ouvidos ao ‘estrangeiro’ de Caetano Veloso, me deparei com os versos acima citados, retirados da canção ‘este amor’. E me pareceu quase errado não escrever estes versos no momento que os escrevi e entregá-los a quem os entreguei. Espero que gostem.

ficaria cego de bom-grado 
 - somente pra fazer eco a Saramago -  
e até ensurdeceria 
pois que tua música me invade os poros .


mas só quero ficar mudo 
se for tua boca 
a calar a minha. 










[não consegui achar a canção do Caetano no Youtube, mas aqui - http://tinyurl.com/2chcj3x - você pode baixar o ‘estrangeiro’ inteiro e de graça!, vai lá que o CD é tudo de bão]

11 comentários:

  1. AWN, que coisa mais linda.

    "se for tua boca a calar a minha."
    Nunca vou esquecer disso.

    Ah, e adorei o título:D

    ResponderExcluir
  2. isso é muitíssimo lindo! de fazer o coração falar mais alto. ainda bem que você anda acertando mais. ga-ro-to :*

    ResponderExcluir
  3. por algum motivo me lembrou a última estrofe de Meet Me in the Morning (é, tu cita Caetano e eu Bob Dylan e estamos quites):

    Look at the sun
    Sinkin like a ship
    Ain't that just like my heart
    When you kissed my lips

    não necessariamente porque são parecidos, mas porque despertam o mesmo tipo de emoção. Aquela emoçãozinha tão bonita que dá vontade de comê-la

    ResponderExcluir
  4. "mas só quero ficar mudo
    se for tua boca
    a calar a minha."

    - Morro de inveja. Dentre as maravilhas dos outros que eu gostaria de ter escrito, eis mais uma delas. Acho interessante tu sempre pôr o contexto dos teus textos a mostra e, além de conversar com a gente no verso, conversar antes de entregá-lo.

    E tu conhece o povo Rabay, né!? Samuel Rabay é amigo meu, outro abençoado, né não? adoro as coisas que ele produz.

    Bom, parabéns! Xero.

    ResponderExcluir
  5. Ah! Respondendo à sua pergunta, tem umas coisas minha pelo centro histórico, sim. Eu grafito, sabe, desenho e tal... Mas agora tou querendo mandar só versos pela rua. Acho que a gente precisa disso. João Pessoa precisa. E é claro que chamo os outros poetas a fazê-lo. Imagina como seria legal!

    ResponderExcluir
  6. A beleza do ser(humano)está justamente na simplicidade, na autenticidade da palavra e na sua capacidade de eternizar o amor.Você soube dosar os três nestes versos. Encantada!(sempre)

    ResponderExcluir
  7. Ai que lindo!!! Olha, um dia vou entregar esses teus versos p/alguém, posso, né? ** Karol

    ResponderExcluir
  8. menino, que lindo! um poema sobre os sentidos e ainda fazendo referência a saramago. gostei mesmo.

    ResponderExcluir