quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

versorragia, da book: de onde vem, do que se alimenta, como se reproduz

'os livros são objetos transcendentes'




Alguém, e não precisaria ser dramaturgo mas apenas dramático, poderia bem dizer que o texto que se segue a este que ora inicio toma então um tom cinza-amargo bem característico das cartas suicidas. Aos que me leem através desta lente, de antemão aviso que tratem de ir buscar aquelas lentes alaranjadas, cor de pôr-de-sol, que isso aqui está mais pra despedida. Se é verdade que quem escreveu estabelece, no momento da leitura, uma relação de troca com quem lê, aproveito para admitir minhas falhas neste nosso relacionamento. Não fui fiel. Ausentei-me mais que qualquer um poderia permitir ou tolerar. A bem da verdade, fui preguiçoso.

I wanted so bad to write a novel.
My desire of being a novelist burned me so aggressively that
I had to start writing.
The novel became a bunch of short stories
which became a single short story, a tale
which became a letter
which became a message
which became a telegram
which became a footnote
which became my signature
which became an abbreviation
which became an acronym
which became a drawing
which was nothing but the sad picture of my sloppiness.

O texto que segue tem destinatários precisos, mas não precisava. Isso porque o ‘longe’ a que me refiro não precisa ser medido em quilômetros. Se você já chegou nesta linha com certeza sabe que está separado deste texto por uma tela. Quão longe estão meus dedos que escrevem dos teus olhos que leem? Enfim... se por acaso por aqui passaste neste bom-tempo de versorragia, alguma coisa por aqui buscavas. E se por acaso há olhinhos por agora me lendo, ainda não desististe. Por isso que lhe devo esse adeus ou desabafo. Se quem escreve estabelece um relacionamento com quem lê, o mínimo que te devo é franqueza. E eu quero ser justo. Nossa história, assim em virtual e negra forma, permanecerá como um álbum de fotografias que seus avós guardam na prateleira de cima – não se precisa (e certamente que não vamos) acessá-lo a toda hora, mas estará lá quando quisermos, precisarmos ou simplesmente estivermos desocupados da práxis e o deus-tempo nos permitir um tanto de devaneio. I tenderly kiss you goodbye, sabendo que nada nunca não finda assim.

As menarcas ainda estão aí, meu bem. E se quiseres um pedaço de mim aí pela tua estante, me dá um olá J

* * * * * * * * *


na boca do envelope, pronto pra partir
Ontem eu dormi mal pra caramba e hoje acordei com uma dor bizarra nas costas. Aliás, pela sua natureza localizada eu nem sei se deveria usar a palavra ‘costas’, um dos plurais mais singulares da minha nossa língua. Veja que agradável que ela é: a cada inspiração, um ponto particular um pouco abaixo da minha omoplata esquerda dói agudamente. É bem como diz num samba antigo, dá vontade de chorar e de morrer. Mas porque constatei que hoje algo me dói mais que minhas costas, fico achando que não teve necas a ver com o fato de ter mal dormido. Hoje, porque vou daqui a pouco aos Correios pra postar dois exemplares do meu livro pra Recife, mais dois pra Salvador, um pra Curitiba e ainda um outro pra Paris (ui!), me peguei pensando a respeito dos meus destinatários. Qual a leitura que farão dessa parte de mim que breve habitará suas caixas de correspondência? E ainda: que leitura farão de mim ao fim de tudo? E depois ainda me perguntam porque será que durmo tão mal. É bem o tipo de coisa que habita e ecoa a/na minha cabeça. E me dei conta de que, por mais que fossem distintos os domicílios (Pernambuco, meu vizinho, a Baêa, minha quase vizinha fantástica, o Paraná, lááááááá onde Judas perdeu as meias, e Paris, que dispensa qualquer qualquer), meus destinatários tinham sim algo em comum. Justamente aquilo, aquilo que eu não nunca os havia dito. E esta falta de ter-lhes endereçado mais que um livro, algumas palavras, os unia e une numa aura particular dentro de mim. E por isso, peço desculpas.

apresentação do danado do livro por betomenezes,
publicada em recente edição do jornal Contraponto
Me deitei ali na rede há pouco, metade ying de mim pura e simplesmente brigando contra a preguiça, a outra metade yang tentando driblar a dor nas costas (inutilmente), enquanto essa aura minha se ocupava de entender exatamente o que era isso, o que isso era. Me dou conta agora de que existe aí também uma dualidade, digo, há muito de terrível em não ter tempo ou chance ou energia ou coragem para dizer determinadas coisas a determinados alguéns como há aí também algo de maravilhoso. Em mim, ao menos, causa angústia e um outro sentimento que os ingleses chamam de amazement. Ameizin. Apois, é bem como estou neste instante, me dando conta do potencial discurso que orbita entre recife-salvador-curitiba-paris. E talvez seja um combustível da saudade, e talvez seja o calor e a dor nas costas, talvez seja só insônia, mas agora é isto que escrevo. Se eu jamais terei a chance de dizer aquilo que nunca disse a cada um de vós, fica muito a cargo de nós que escrevemos aqui o enredo. Mas, se não posso dizer-lhes aqui, assim, vocês têm nas mãos mais que um livro, porque este de capinha branca é, bem como sugere o título, uma boa parte de minha rede arterial de sofrimento e alumiações, basta dizer que nutro por cada um de vocês que estão longe um sentimento bem particular que, ao prisma da minha dor nas costas, lembra muito amor ou insônia. Clarice Lispector escrevia para ‘se livrar’ daquilo. Eu escrevo porque sobrevivo deste apego, o mais virtual, o mais pequeno, o mais ideal, mas um apego. Recebam com bastante carinho estes versos que escrevi chorando, sangrando. E saibam que, se por acaso tardar o reencontro, haverá sempre uma parte minha em vossas estantes. Talvez não a melhor, mas certamente a mais verdadeira.



Um beijo. Quem quiser outro venha buscar.

4 comentários:

  1. Ei, guga, tem alguém do longínquo bairro dos ipês querendo ler. Tem como?

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  2. Afff. Despedidas são sempre tristes, melancólicas. Trazem dentro de si o conceito do 'mal necessário'. Mas, de outro modo, podem abrir novos portais e, como o mundo é redondo e a vida, circular... então eu digo: até mais. Eu vou, sim, te dar um beijo. Pelo menos enquanto posso (que luxo!).
    Nara Limeira

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  3. Oi, Gustavo
    o livro, depois de finalizado(?), não mais pertence ao autor. Seguirá seu desconhecido e fatal destino: o leitor. É neste polo de permanência imponderável que a narrativa, com todas as suas dores e delícias, se estabelecerá como mensagem. Cumprirá sua trajetória inútil(!), logica e exclusivamente do ponto de vista do inútil utilitarismo. Então, deixe-o seguir sem dores de amores vãos. Suas palavras não existem sem alcançar os olhos do desconhecido leitor. Este que pode ser um, nenhum ou cem mil, como em Pirandello. Prossiga seu caminhar fecundo e atormentado, visto que nós, do lado de cá, crueis leitores, nos alimentamos insanamente deste caldo obscuro e indecifrável que brota de sua rede arterial de sofrimento e alumiações. Este é o salário de tua arte, amém! Wagner Ramos (seu seguidor do Face e angustiado leitor).

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  4. Estou ansiosa aguardando meu exemplar! Beijos, poeta! :)

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