Alguém, e não precisaria ser dramaturgo mas apenas
dramático, poderia bem dizer que o texto que se segue a este que ora inicio
toma então um tom cinza-amargo bem característico das cartas suicidas. Aos que
me leem através desta lente, de antemão aviso que tratem de ir buscar aquelas
lentes alaranjadas, cor de pôr-de-sol, que isso aqui está mais pra despedida.
Se é verdade que quem escreveu estabelece, no momento da leitura, uma relação
de troca com quem lê, aproveito para admitir minhas falhas neste nosso relacionamento.
Não fui fiel. Ausentei-me mais que qualquer um poderia permitir ou tolerar. A
bem da verdade, fui preguiçoso.
I wanted so
bad to write a novel.
My desire of being a novelist burned me so aggressively that
I had to start writing.
The novel became a bunch of short stories
which became a single short story, a tale
which became a letter
which became a message
which became a telegram
which became a footnote
which became my signature
which became an abbreviation
which became an acronym
which became a drawing
which was nothing but the sad picture of my sloppiness.
My desire of being a novelist burned me so aggressively that
I had to start writing.
The novel became a bunch of short stories
which became a single short story, a tale
which became a letter
which became a message
which became a telegram
which became a footnote
which became my signature
which became an abbreviation
which became an acronym
which became a drawing
which was nothing but the sad picture of my sloppiness.
O texto que segue tem destinatários precisos, mas não
precisava. Isso porque o ‘longe’ a que me refiro não precisa ser medido em
quilômetros. Se você já chegou nesta linha com certeza sabe que está separado
deste texto por uma tela. Quão longe estão meus dedos que escrevem dos teus
olhos que leem? Enfim... se por acaso por aqui passaste neste bom-tempo de
versorragia, alguma coisa por aqui buscavas. E se por acaso há olhinhos por
agora me lendo, ainda não desististe. Por isso que lhe devo esse adeus ou
desabafo. Se quem escreve estabelece um relacionamento com quem lê, o mínimo
que te devo é franqueza. E eu quero ser justo. Nossa história, assim em virtual
e negra forma, permanecerá como um álbum de fotografias que seus avós guardam
na prateleira de cima – não se precisa (e certamente que não vamos) acessá-lo
a toda hora, mas estará lá quando quisermos, precisarmos ou simplesmente
estivermos desocupados da práxis e o deus-tempo nos permitir um tanto de
devaneio. I tenderly kiss you goodbye, sabendo que nada nunca não finda assim.
As menarcas ainda estão aí, meu bem. E se quiseres um pedaço de mim aí pela tua estante, me dá um olá J
* * * * * * * * *
na boca do envelope, pronto pra partir |
Ontem eu dormi mal pra caramba e hoje acordei com uma dor
bizarra nas costas. Aliás, pela sua natureza localizada eu nem sei se deveria
usar a palavra ‘costas’, um dos plurais mais singulares da minha nossa língua.
Veja que agradável que ela é: a cada inspiração, um ponto particular um pouco
abaixo da minha omoplata esquerda dói agudamente. É bem como diz num samba
antigo, dá vontade de chorar e de morrer. Mas porque constatei que hoje algo me
dói mais que minhas costas, fico achando que não teve necas a ver com o fato de
ter mal dormido. Hoje, porque vou daqui a pouco aos Correios pra postar dois
exemplares do meu livro pra Recife, mais dois pra Salvador, um pra Curitiba e
ainda um outro pra Paris (ui!), me peguei pensando a respeito dos meus
destinatários. Qual a leitura que farão dessa parte de mim que breve habitará
suas caixas de correspondência? E ainda: que leitura farão de mim ao fim de
tudo? E depois ainda me perguntam porque será que durmo tão mal. É bem o tipo
de coisa que habita e ecoa a/na minha cabeça. E me dei conta de que, por mais
que fossem distintos os domicílios (Pernambuco, meu vizinho, a Baêa, minha
quase vizinha fantástica, o Paraná, lááááááá onde Judas perdeu as meias, e
Paris, que dispensa qualquer qualquer), meus destinatários tinham sim algo em
comum. Justamente aquilo, aquilo que eu não nunca os havia dito. E esta falta
de ter-lhes endereçado mais que um livro, algumas palavras, os unia e une numa
aura particular dentro de mim. E por isso, peço desculpas.
apresentação do danado do livro por betomenezes, publicada em recente edição do jornal Contraponto |
Me deitei ali na rede há pouco, metade ying de mim pura e
simplesmente brigando contra a preguiça, a outra metade yang tentando driblar a
dor nas costas (inutilmente), enquanto essa aura minha se ocupava de entender
exatamente o que era isso, o que isso era. Me dou conta agora de que existe aí
também uma dualidade, digo, há muito de terrível em não ter tempo ou chance ou
energia ou coragem para dizer determinadas coisas a determinados alguéns como
há aí também algo de maravilhoso. Em mim, ao menos, causa angústia e um outro
sentimento que os ingleses chamam de amazement.
Ameizin. Apois, é bem como estou neste instante, me dando conta do potencial
discurso que orbita entre recife-salvador-curitiba-paris. E talvez seja um
combustível da saudade, e talvez seja o calor e a dor nas costas, talvez seja
só insônia, mas agora é isto que escrevo. Se eu jamais terei a chance de dizer
aquilo que nunca disse a cada um de vós, fica muito a cargo de nós que
escrevemos aqui o enredo. Mas, se não posso dizer-lhes aqui, assim, vocês têm
nas mãos mais que um livro, porque este de capinha branca é, bem como sugere o
título, uma boa parte de minha rede arterial de sofrimento e alumiações, basta
dizer que nutro por cada um de vocês que estão longe um sentimento bem
particular que, ao prisma da minha dor nas costas, lembra muito amor ou
insônia. Clarice Lispector escrevia para ‘se livrar’ daquilo. Eu escrevo porque
sobrevivo deste apego, o mais virtual, o mais pequeno, o mais ideal, mas um
apego. Recebam com bastante carinho estes versos que escrevi chorando,
sangrando. E saibam que, se por acaso tardar o reencontro, haverá sempre uma
parte minha em vossas estantes. Talvez não a melhor, mas certamente a mais
verdadeira.
Um beijo. Quem quiser outro venha buscar.