quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

alguém, só que no feminino

‘woman, I know you understand the little child inside of the man’
[Mr. Lennon]

                Eita, que eu ando fevereiro! Já mais de mês que eu me devo um texto assim, uma postagem assim, uma coisinha assim. Espero que gostem! :D



E agora há uma paisagem que me grita nos ouvidos, na memória, alguma coisa em indeterminado idioma. Paisagem antes útil, antes inútil. Never fútil. Aqui é uma praia relativamente clara, por trás passa uma avenida meio larga de cinza negro asfalto. Carros poucos, senhoras gordas caminham suas vidas pela calçada, um homem muito queimado de sol e pobreza vende cocos e a si pelo valor dois reais. Aqui tem um quiosque atrás do outro. Todos diferentes, todos iguais. Aqui na areia minha lembrança cata um canudo, embalagens de picolé caseiro, marcadores de livro, um par d’óculos que alguém esqueceu. Aqui catei uma embalagem de camisinha usada. Espero não encontrar a danada. Olha que minha lembrança catou agora um grupo de homens bonitos/ou não jogando vôlei. Jogam mal?, não me interessa. Isso não me interessa. Minha lembrança catou alguém sentado na areia. Por que a palavra ‘alguém’ é masculina?, ora que o alguém que eu vejo é mulher. Sim, mulher. Minha lembrança observa pelo canto do olho alguém sentada na areia olhando o mar. Reconhece? Reconhece. Aqui o nome dessa alguém poderia ser Larissa, Gabriela, Mariana. Poderia bem ser Marina, (i)Nara. Cecília, Carolina, Lua. Talvez carregue nome estrangeiro. Ananda, um ar de rio nas bochechas. Aí você pensa ‘será que ele quis dizer ar de riso e engoliu uma letra?’. Não. Minha lembrança é precisa, era ar de rio mesmo nas bochechas. Olha que é aqui que o doce encontra o mar. Poema na curva dos lábios. Seu nome aqui pudera ser Dôra, Giovanna. Pudera ser Anita. A mulher abraça seus joelhos, ajeita sobre o nariz os olhos escuros sobre os olhos de verdade. Minha lembrança não precisa de olhos escuros pra ver essa alguém. Capaz de seu nome ser Luíza, Jade, Raquel. Se for Raquel e tiver uma irmã, pode que seu nome seja mesmo é Ruth. Minha lembrança não vê novelas, mas escuta. Minha lembrança também pega ônibus. Capaz seu nome seja cor-de-Rosa,  Roseane. Olha que aqui a mulher já espichou novamente suas pernas. Água doce desaba de suas bochechas, algumas gotas minha lembrança catou sobre a areia pra levar pra casa. O doce encontra o sal? Não sei. Seu nome é Lucia? Lucinete? Aqui ela se levantou sobre os dois pés na areia. Abriu os braços pro mar. Beba-me. Deu um grito? Não sabe, minha lembrança não a observa de tão perto que a escute. Põe a mão nos bolsos e vai embora. Aqui seu nome agora era Saudade. Ou era Déa? Regina? Não. Era Saudade mesmo. Era Maria.


2 comentários:

  1. É gostoso ouvir as palavras ressoando em nós, as palavras criando este filme interior que alimenta a imaginação e leva a este país que é teu. Eu vi a praia, vi alguém, vi todas e vi ninguém quando ela se foi. Lindo.

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  2. Muito belo o seu texto. A construção largada, a poesia e a simplicidade.

    É preciso que alguém escreva assim sempre.

    Beijo.

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