terça-feira, 20 de setembro de 2011

da beleza ou bilhete

‘vai tua vida, pássaro contente
vai tua vida, que estarei contigo’
[Vinícius de Moraes]


                Estes dias, estive mergulhando nuns rascunhos de idéias antigas, em quase-textos, quase-canções e quase-idéias, e me deparei com este aqui. Fiquei animado, reescrevi algumas vezes e ainda o reescrevo. Penso que, em voz alta, soa melhor. Quem se atreve?




Hoje um passarinho pousou na minha janela. Não que fosse um ato de destaque em relação a outros ou que fosse um passarinho de especial beleza, mas não consigo deixar de pensar que, se estivesses aqui, terias notado. Que um passarinho pousou a nossa janela. Isso porque tinhas-teves-tens uma coisa de notar beleza onde quase-já não há, onde não mais se vê – num olhar, numa janela, ni mim. É porque beleza só há-de fato quando nós a vemos. E é notável que a maioria das pessoas hoje não notaria um passarinho pousado a janela. Um passarinho pousou na minha janela, consigo te ver na mesa de jantar, entre uma garfada e outra, lembrando do fato e exclamando sorridente ‘um passarinho pousou a nossa janela hoje!’. Era de manhã. E ele não cantou. Pousou, espreguiçou as asas, ainda ensaiou encher o peito de ar como quem fosse cantar. Mas não cantou. Voou. Foi-se. Não consigo deixar de pensar que ainda te buscava nos recantos, nas beiradas, nas cortinas da janela. Um passarinho pousou em minha janela hoje e eu não sei mais porque ainda te escrevo.


domingo, 4 de setembro de 2011

pour elle

irmãos-luz
‘please send me a letter
I wish to know things are getting better’

[Caetano Veloso]          



Escrevi este texto num momento bem íntimo e familiar, e se o publico hoje cá é porque não poderia deixar de fazê-lo. O sangue que aqui se expressa em maneira-de carta coagula no papel de um jeito diferente, todo especial mais que os outros aqui anteriormente postos. É que minha irmã quem sangrou comigo.




Gabi,
quando Quel veio aqui em casa descrever como seria a vivência de hoje, tive a chance de entrar em contato com idéias e sensações das quais eu andava fugindo. Saber da sua partida e da tsunami de conseqüências que ela trará no dia-a-dia dessa casa me assustava – assustou-assusta, e meu primeiro impulso foi afastar esses pensamentos. No entanto – e você sabe mais do que ninguém – que esse dia-a-dia já não anda tão simples, e ser visitado por lágrimas internas e externas acabou por tornar-se comum. Mas foi assim, quase que me afogando em mim mesmo, nos meus questionamentos, nas minhas mágoas, meus fantasmas, que eu descobri a delícia de ter uma irmã. Ocorre-me agora a imagem da personagem da literatura americana que cresceu ao contrário e que, por um curto período, teve na vida alguém que lhe cuidava, que lhe ouvia. Curioso é que só agora eu me venha a identificar com aquele Benjamim, eu que nasci com as barbas a dar voltas pela casa e só agora venho ensaiando minhas primeiras palavras e ontem mesmo de dei a chance de engatinhar. Você me abriu os braços sem medida num momento em que quem eu menos esperava me virou as costas, deixou-me cair sobre eles e teve a coragem de dizer que tudo ficaria bem, mesmo sem ter total certeza disso. E isso não tem preço. Por isso também resolvi que te privaria da visão das minhas lágrimas. Não era a mim o direito de chorar a tua partida, mas de dar a maior fração de força que eu te pudesse dar, mesmo que fosse pouco, mesmo que significasse chorar por dentro, em silêncio – hoje não dá mais pra esconder, me perdoa.
É com um sorriso no rosto, porém, que eu te vejo crescer. A menina que sempre não foi só menina galga agora patamares que a minha vista curta ainda não alcança. Cresce a cada dia a minha admiração por essa coragem com que você anda encarando tudo isso, talvez também nos poupando das suas lágrimas. Essa coragem que nos dá a nós todos também uma oportunidade boa e bonita de crescer, uma chance rica que não vamos desperdiçar. Obrigado, minha irmã.