segunda-feira, 7 de março de 2011

la vérité, tu la sais

—A mí me basta ser el que soy —dijo Rosas— y no quiero ser otro.
 —También las piedras quieren ser piedras para siempre —dijo Quiroga— y durante siglos lo son, hasta que se deshacen en polvo. Yo pensaba como usted cuando entré a la muerte, pero aquí aprendí muchas cosas.
Fíjese bien, ya estamos cambiando los dos.

[Jorge Luis Borges, em ‘Diálogo de Muertos’, do livro ‘El Hacedor’]

                Eu tenho um livrinho que veio de Buenos Aires pra mim, Matteo quem trouxe. Se chama ‘El Hacedor’, do argentino Jorge Luis Borges. Matteo me superestima, eu creio, me trouxe Borges no idioma original. Não que eu não esteja me divertindo com todos aqueles ys soltos em meio às frases, mas há coisas deste portenho que eu não consigo ler nem em português, tamanha a complexidade dos enredos pra tão pouco juízo que tenho!
                Abaixo, vocês lerão uma carta. Pelo menos eu acho que é uma carta. Escrevi-a porque precisava, sem pretensão de postá-la cá, mas acabei por me agradar dela... Espero que gostem também!

  - Prometi notícias do meu livro e do futuro deste blog... lá vai: o livro de poemas ‘Versorragia, no início era o verso e do verso fez-se sangue’ está em processo de revisão, e o seu humilde autor em processo de achar uma maneira de publicá-lo (aceitando sugestões). Do blog, devo dizer que terei que me despedir deste endereço. Explico: o livro que publicarei é um registro impresso dos poemas que cá postei com a adição de alguns inéditos. Por que quero manter estes inéditos escondidos – me chamem de orgulhoso – e tenho pouco juízo pra resistir à tentação de postá-los, terei de me despedir. Mas calma!, ainda temos tempo. Juro que não vou deixar de postar assim, de repente... Uma outra novidade boa é que já tenho o projeto para o próximo livro, e isso significa a abertura d’um novo blog J Notícias mais concretas em breve.



Acredito que você já passou por isso, todo mundo passa. Todo mundo tem que passar. É uma merda, mas é verdade. Já nos dizia Bob Dylan, ‘life is hard’. Eu sei, você vai negar, você vai tentar continuar indo em frente como se nada não se passasse dentro de você. Isso também é uma merda, e também é uma verdade. Teve um francês que disse que quanto mais conhecia os humanos, mais amava os cães. Em francês, essa frase fica de uma elegância que você não calcula, mas a questão não é essa. Quanto mais humano eu sou, mais cão eu sou. Complicado, né? Uma merda. Uma verdade. Você vai tentar dormir, você vai tentar dormir e não sonhar, você vai tentar dormir e não sonhar e acordar, você vai tentar dormir e não sonhar e acordar e não chorar. Você vai tentar fazer com que seu travesseiro esconda as lágrimas. Você vai fingir que ele nunca existiu. Você vai fingir que nunca existiu. Tudo isso só pra que você ainda consiga escrever como antes, quando você fazia dele sua musa, sua fonte inesgotável de inspiração e transpiração. Quanto mais você tenta fazê-lo menos inspiração e mais esquecimento, mais profundamente ele lhe penetra a mente, a alma, as palavras. Ele faz isso de uma maneira tão calma e natural que você quase acredita que nunca vai ter fim, quase acredita que vai se acostumar com a dor. Logo você, que sempre falou que só se acostumam com a dor os mortos, vivos são outras palavras. Você, não. Você não sentia dor. Você inventava a dor, você lambia a dor, você ria da dor, senti-la jamais. Você vai tentar conhecer outros eles, você vai tentar se apaixonar novamente. Você vai quebrar a cara. Você vai se decepcionar consigo mesmo. Você vai escrever 1 romance e vai rasgá-lo. Você vai escrever 5 ensaios acadêmicos e vai queimá-los. Você vai escrever 2 raicais e vai guardá-los na carteira. Você vai tomar todas numa festa qualquer e vomitar na frente da sua mãe. Você vai esquecer tudo que ainda não viveu e escrever outro livro para queimar. Você nunca mais será o mesmo. Você vai se martirizar todas as noites porque não consegue mais escrever como antes. Você vai querer o antes. Você vai louvar o antes. Você vai sofrer ao ponto de esquecer como chegou naquele ponto. Você vai cometer erros de concordância e de regência verbal e vai xingar Deus por isso. Sua avó vai fazer você pedir desculpas a Deus e você vai pedir. Você vai pensar consigo mesmo se Deus mora longe o suficiente de você pra que você não o vá visitar e dar-lhe as boas porradas que ele merece, e vai chegar a conclusão de que sim. Você vai fumar Carlton com um amigo na esquina. Você vai sentir o gosto dele no cigarro, nos livros, em Deus, na pornografia que você insiste em assistir, nos poemas que você queimou e nos poemas que você guardou. Você vai querer escrever uma carta pra ele. Você vai resolver que vai escrever a carta, abrir a caneta, encarar o papel com o lápis e os olhos e fazer seqüências de disputas de jogo-da-velha consigo mesmo. Você vai ficar competitivo consigo mesmo. Você vai vê-lo nos papéis em branco. Você vai ouvir o sotaque dele quando alguém falar inglês perto de você, e você também vai chorar muito quando ouvir ‘aquela canção’ do Roberto, não adianta fugir. Você vai comprar um chicote para se punir por cada poema não escrito, por cada palavra não dita, por cada beijo não dado, por caba beijo desdado, por cada saudade. É a verdade, meu caro, você sente saudades dele. E a saudade deixa nossas palavras bem caladinhas. Eu sei, eu sei. Como? Eu sei. Eu sou você.





6 comentários:

  1. nossa, maravilhosa a carta q vc escreveu... e tente ler o Borges no original, eu tbm tenho dificuldade de ler em outra lingua, tentei ler Emma, de Jane Austen, em ingles, q ganhei tbm de um amigo, ainda nao consegui.. li so Razao e Sensibilidade em portugues mesmo... ah, quero receber o seu novo livro, em arquivo ou em papel mesmo! dai eu prometo tbm mandar o meu, que deve sair logo logo! =) bjs, saudades!

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  2. me apaixonei de novo e não sei quantas dezenas de vezes isso aconteceu.
    você é um pirralho abusado que sai atirando em mim sem ver.

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  3. acho muito estranho, mas ao mesmo tempo bom. Estranho porque é muito difícil sofrer, você tem que lidar consigo e isso é foda. Por outro lado, acho bom poder compartilhar com alguém isso tudo. Estranho ainda é isso estar acontecendo tão igualmente. Já podemos mandar todos pra merda?

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  4. Gu,fazia temp que eu não vinha aqui,tava vadiando na internet e me achei aqui abrindo teu blog e venho aqui só pra falar que eu me vi nesse teu texto,eu tô me vendo.E espero que pra sempre você consiga essa reação das pessoas :*

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  5. Caro Gustavo, a vida pós-Borges é muito mais interessante! Vale a pena encarar! :)

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