terça-feira, 28 de dezembro de 2010

guardador de abismos ou à quoi ça sert #1

Moi, j'ai entendu dire
Que l'amour fait souffrir,
Que l'amour fait pleurer,
A quoi ça sert d'aimer?

[na voz de Edith Piaf & Theo Sarapo - http://tinyurl.com/67xsv6
]

                Não necessariamente emergindo da minha incursão pelos metalingüismos – um universo dentro de si mesmo - e retomando uma vibe manoelesca, sangrei este dia desses. É qualquer coisa de fato universal, pois que não há pergunta mais comum a tudo que vive sobre este planetinha e mais sem resposta do que esta: pra que serve o amor?, de que nos serve amar? Sem pretensões, caríssimos & caríssimas. Sou tão vagabundo quanto el corazón de nosotros. E o retrato é esse aí, amém.

como haveremos, eu e você apenas, de explicar aos homens
que o amor é coisa que não se explica?
o amor não cabe na cabeça de pessoas que pensam grande.
é sentimento de nobreza bissexta, o amor.
lhe agrada tomar café mornal em tardes de domingo
e sentar no chão como uma criança.
o amor gosta de dançar, e dança. é jorge, é louco, é chico.
e nós, eu e você apenas, fantasmas comuns,
cá tentando explicar o que não se explica.
sou um homem comum, sou um, e não me explico.
o amor é para as pessoas que pensam pequeno ou que não pensam, entendam.
acabam-se as leis, acabam-se as brigas e o dinheiro, acaba-se a religião
acaba-se este mundo, acabam-se os outros mundos, acabam-se os mudos
mas o amor ainda estará no meu terraço, sentado ao meu lado,
conversando sobre o calor do verão ou cantando um caetano qualquer.
o amor é primo-irmão das borras, dos ciscos e das latas. é mais um pobre-diabo.
é um guardador de abismos.
toco-lhe a mão, quente e suave, e ele sorri porque o instante existe.
sorri como se não houvesse amanhã.
ele é todo coração, e me fala quase sonhando: ‘me escreva um poema,
me escreva um poema como quem desenha um carneiro a um príncipe’.
eu e você apenas, choramos porque é finda a tarde.




quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

carona

‘quem quer?
pegar buzão lotado todo dia
quem quer?
viver andando a pé pra todo lado
quem quer?’

[Sacal - http://tinyurl.com/38ga8qg]

                Misturando vibes nesse post: uma, que é muito íntima, é uma vibe meio que metalingüística. Primeiro vem ‘o poeta’, agora vem ‘o poema’. Outra, não tão íntima quanto a primeira, seria uma temática mais urbana. Não sou destes urbanismos todos, quem me lê facilmente nota – mas desta vez me entreguei. Mais gostoso ainda foi me entregar a um urbefeeling que me é bem próprio, o dessa vila capital Parahyba. Enfim, espero que gostem. E comentem.





passeava caetânico ao largo das palavras
quando o avistei.
estava lá, parado na parada,
cansado e suado.
encostei e fiz-lhe a oferta.
o poema sorriu, tímido. esperava um ônibus há meia hora.
aceitou. hesitou a princípio, meio vinicínico, meio drummôndico,
mas aceitou.
conversávamos miudezas no trajeto
e questionei-lhe das minhas limeirices.
sentenciou-me:
“dejetos d’adjetivos!
rosas são rosas, violetas são violetas.
porra!”
sorri, tímido.
deixei-o na vara de ouro, ao fim da tarde,
e sangrei-o pelo resto de minha vida.











Créditos:
Pixação -
Ø
Fotografia - Matteo Ciacchi - http://www.flickr.com/photos/mciacchi/
Música - 'Castelo de Pedra', Burro Morto - http://www.myspace.com/burromorto
Clipe - Pablo Maia/Direção - http://tinyurl.com/3xr2b93

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

des larmes

‘bom dia, tristeza
que tarde, tristeza
você veio hoje me ver’

[Vinícius de Moraes]

                Sangrar este poema foi uma das coisas mais difíceis das últimas semanas. Vejam vocês que eu estava agarrado com Dorian Gray, do Oscar Wilde, tentando dormir, quando tive a primeira idéia [‘foi a primeira iluminura’]. Liguei o computador desesperado e sai escrevendo feito um louco. E, feito um louco, fechei o maldito Word sem salvar [até me saí com esta pérola http://tinyurl.com/2u6hzff]. Fiquei cozinhando a idéia por horas até conseguir dormir, puto comigo mesmo. Quem me consolou foi Mané de Barros, que diz que a poesia é um fenômeno de palavras, e não de idéias. E quis esquecer da idéia.
                Foi después, em companhia de queridos & queridas e ao som de cantos tristes, que ele me veio. E veio naturalmente, viu, cada palavra e cada caetaneidade – dessas que me são próprias. Espero que gostem!



leve, leve 
átimo de vida, arroubo de sal 
gosto de mar, gosto de saudade. 
rola a passarada sobre meus rubores 
irene não riu. 
mata e molha o sorriso do poeta 
até que o novo amor amanheça. 








domingo, 12 de dezembro de 2010

o poeta

"Vão dizer que não existo propriamente dito
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
[...]
Agora você vai ter que assumir suas irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens."

[Manoel de Barros]

                e desde que adentrei o mundo das imagens, lhe achei, Mané de Barros. e, como cantou Chico César, ‘quando lhe achei, me perdi’, e não consegui mais sair desse danado de mundo das imagens. nessa brincadeira, acabou que mergulhei numa fase tremendamente metalingüística, como se minha poesia tivesse esbarrado nela mesma passeando por esse mundo novo de imagens e de manoelices. ou num espelho. ou em mim, você escolhe. deixa que você, Mané, é um danado pra desestruturar a linguagem alheia [http://tinyurl.com/3x57le9], e minhas caetânicas iluminuras estão por se escorrer. que seja, pois, para o bem. sempre.

aos possíveis manoelitos & simpatizantes (aka leitores): vos peço humildemente um comentário rapidinho - oi, li, tchau. dá um calor bom no peito de entrar aqui e ver uma menarca a mais – e a opinião de quem lê é importante por demais pra meu coraçãozinho de papel. agradecido J


mamãe quis que eu assumisse toda a irresponsabilidade do mundo
papai me taxou de zoró, de bocó, de bundo vagabundo.
difícil é colocar na cabeça desse povo todo como dá trabalho ser poeta!,
como é exaustivo e triste e frustrante.
é que se tem que amar as manhãs, e chorar a chegada das tardes
amar as tardes, e martirizar a chegada das noites
deitar-se com as noites e ser acordado pelas madrugadas que recepcionam as manhãs
e chorar mais um pouquinho quando o orvalho secar.
tem que falar língua de passarinho
língua de índio, língua de menino e de menina, e de todo tipo de bem-querer.
ufa!
tem que se olhar pro barranco no fundo do quintal de casa e avistar um mar por detrás dele
um mar de um azul-escândalo, de um azul quase vulgar, quase canção.
ver o poema sentado no barranco, contemplando o mar em toda a sua safadeza
desembaraçar os cabelos do poema, lamber as orelhas do poema, beijar sua nuca rosto e boca
e notar que o poema nunca se satisfaz
e que o poema é na verdade bem mais humano do que você.
é entender que deus é feito de arte, deus é todo canção, é todo cenário, é todo saramagal.
entender no fim que pessoa nenhuma pode dizer o que é a arte
mas que a arte pode dizer se somos pessoas ou não.
tem quem diga ainda que poeta tem que ter o coração todo estraçalhado, todo elis regina.
que é preciso sofrer o gozo, e acima de tudo gozar o sofrimento.
e é um pouco verdade, isso, viu?
esse negócio de poeta feliz é tudo invencionice, limeirice, subterfugice.
a pior lição de todas
e talvez a mais importante
e com certeza a mais doce
é nunca ter um poema que seja seu, só, e pronto.
deixar que o poema voe, pois, das suas veias, como as águas que brotam do chão.
uma vez sangrado, o poema se deu conta de sua vida própria
e já levou a do poeta com ele há tempos.







quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

oi, boa tarde,

'teu olhar me feriu profundo
e eu não paro de sangrar versinhos moreninhos sem futuro'

[
http://tinyurl.com/2wodsau]

Antes de ser egocentrismo da minha parte citar a mim mesmo ao introduzir este novo poema, é uma maneira de me justificar. Isto porque meu caro amigo Matteo Ciacchi (também meu crítico mais ácido) disse que ando por demais diabético. Endiabrado. Ora, talvez ande. Mas não me digam que eu não avisei, ahn?


oi, boa tarde,
posso te dizer um poema?

meu poema é humilde,
tem cheiro de aurora, cheiro de mulher
cheiro de café da casa da vizinha.
desenhei você no meu poema pra que ele tivesse cheiro de praia.
meu poema tem cheiro de entardecer.

o poema que eu vou te dizer tem cor de abraço apertado
cor de bochechas, cor de limeira,
tem cor de quintal.

e é pequeno, pequeno
cabe em meio canteiro de bem-querer
cabe em meia cantiga de acordar estrelas
do tamanho da desarmônica perfeição do teu rosto cor de sorriso.

meu poema é assim:
me dá tua mão.