quinta-feira, 19 de julho de 2012

carta uma

Coimbra, Julho de 2012.

Hoje fiz uma das coisas que gostaria de fazer o resto da vida. Gabi me convidou para descer e ler um pouco na beira do rio.
Tiramos uma canga colorida, daquelas de praia, que enfeitava a parede do quarto dela, e a transformamos numa bolsa com apenas dois nós. Dentro dela, três livros, uma garrafa de água, maçãs e alguns biscoitos. Enquanto o sol atacava as águas do Mondego, ficamos eu e minha irmã deitados na grama a ler, protegidos pela sombra amiga das árvores, as folhas dançando pelas lambidas do vento, e abraçados pelo verde da grama cheirosa de verão. Deixei, pois, que minha vista passeasse pelas palavras de Milan Kundera (um romance que você me emprestou). Ele me acalenta a alma enquanto você não chega pra juntar-se a nós. Foi aí que Tomas, um circunstancial personagem do tal romance que leio, me surpreende com um gesto dos mais doces: depois de uma noite repleta de sonhos, ele se acorda antes de Tereza, sua esposa. Ela dorme pesadamente ao seu lado e mantém uma mão dele dentro de uma sua. Ele a observa, o amor escorrendo dos olhos. Ela, como que sentindo sobre si um peso de olhar, dá um pequeno passo em direção ao acordar – entreabre os olhos. E indaga, semidormindo, o que ali olhava Tomas.
*****
eu, por muitas vezes, te olhava.
tu, por muitas vezes, me indagava.
eu, muitas vezes, te dizia
não é nada
não é nada
(apenas apreciava)
 - não dei a sorte de
ser circunstância de
Milan Kundera.
*****
E o que ali olhava Tomas?
Na resposta, ele soube fazer caber o mundo inteiro. Disse-a, vejo as estrelas.

...e eu aqui, à beira do Mondego, fiquei sem fôlego. Tenho um dever para com os teus sonhos. E não vou deixar passar as lições de Tereza e Tomas.
Hoje eu fiz uma das coisas que gostaria de fazer o resto da vida ao teu lado.